
O brilho de um sorriso e a arte de garimpar tesouros pela aprendizagem
Durante uma aula, fui interrompida por uma voz que dizia: “Que delícia ouvir esse sotaque. Ele me leva de volta para casa!” Nesse texto, falarei como fui acolhida em meus primeiros dias como professora no Instituto Ponte. E como vejo a arte de garimpar tesouros pela aprendizagem o real valor da minha profissão.
Guimarães Rosa escreveu, certa vez, que é “junto do que sabe bem, que a gente aprende o melhor”. Sua intenção era reiterar a importância de boas pessoas para a evolução humana, o que foi fonte para criação de um aforismo atribuído a ele e muito repetido nas terras de onde venho. Percorrendo o pensamento roseano, deparei-me com o Instituto Ponte. Sou Mili, professora de Redação. Recentemente, retornei ao estado do Espírito Santo a convite do Instituto. Confesso que a oportunidade de estar com mentes brilhantes de quase todo o Brasil foi o que me atraiu, além de aprender com seus falares e fazer, dessa partilha de saberes, o conhecimento.
Nas primeiras interações com os alunos, percebi que o meu falar, marcado pela influência dos professores da PUC e minha longa permanência no estado de Minas Gerais, reluzia memórias de ouro. Na verdade, o que fora estranhamento para muitos, tornava-se melodia para outros. Do nada, um outro estudante de outra aula, disse-me: “Minas é o mundo!”. Voltei-me para aquele sorriso expressivo e refleti as palavras do grande escritor mineiro: “O sertão”, de fato, “é o mundo.” Como em um garimpo, encontrei ali preciosidades a lapidar.

Do distrito de Tombadouro, vinha aquele menino! Eu estava diante de um diamante tal qual o que fora encontrado na região, dando origem ao município de Datas. Um lugar que ele definiu como bem tranquilo, ares frescos, com apenas uma praça e uma lanchonete. Pelo circuito da Estrada Real, cresceu Rafael Cristian Gonçalves entremeio a instrumentos musicais da Lira de São Gonçalo. Embora seja um apaixonado pela matemática, teve seu gosto pela escrita e estudo gramatical refinado por sua professora da escola local. Sempre repete as palavras daquela professora as quais afirmavam que ele sabia as regras gramaticais tanto quanto ela. Todavia, sinto que, por detrás de uma alegria contagiante, Rafael – como a pedra mais preciosa – resiste a altas pressões e, apesar disso, permite-se lapidar, porque sabe que quanto mais puro e transparente for, maior será o seu valor.
Diante dessa realidade paradoxal, volto, em pensamento, à região de Minas Gerais em que Rafael mora. Uma terra dura que se mistura ao suor e às lágrimas daquela gente para se transformar em arte que representa a fé. Obras que, por sinal, são muito valorizadas no exterior, porém, na maioria das vezes, as mãos – que as moldam – desconhecem seu próprio valor. Nesse contexto, percebo que o Instituto Ponte extraiu daquele distrito algo que não vem da terra, mas da alma e deu a ele a sua real valia.

Dessas Datas, no Vale do Jequitinhonha, brotam medalhas de ouro, de prata e de bronze. Do mesmo modo como acontece nos garimpos, onde separam as pedras mais pesadas que têm potencial de ser diamante, Rafael foi encontrado pelos pesos de suas medalhas na OBMEP, mesmo que suas habilidades estejam bem além da matemática. Em um primeiro momento, ele hesitou fazer parte do Instituto, pois acreditava ter que se mudar para outro estado. Contudo, os ecos de como eram as aulas e as oportunidades oferecidas, entre elas o ensino telepresencial, fizeram com que ele repensasse e se inscrevesse na seleção.
Naquela terra, um diamante bruto tem se moldado. Sempre sorridente, compartilha comigo seus sucessos e insucessos na escrita a fim de buscarmos meios para lapidar seu texto. Do bruto ao refinado, cada corte incisivo suaviza as arestas, trazendo à tona o seu brilho natural. Noto que, com uma sintaxe típica e um vocabulário rebuscado, escreve seu futuro. Ele veio para brilhar.
Almejo, junto dele e de tantos outros, lapidar olhares e ampliar ainda mais horizontes. Entre tantas joias raras, sou capaz de compreender melhor o popular aforismo mineiro atribuído a João Guimarães Rosa: “é junto dos ‘bão’ que a gente se torna ‘mió’”. É assim que desejo estar.
Forte abraço, Mili (Instrutora de Redação)
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